Eleições 2006: O nome é Geraldo

Passada a Convenção Nacional do PSDB, esperar-se agora o primeiro lance público de importância no processo de definição do nome do candidato do principal partido de oposição que deverá enfrentar – ao que tudo hoje indica – o presidente Lula em outubro de 2006.

Ainda tenha servido somente para sacramentar a nova composição da Executiva Nacional tucana – com o senador Tasso Jereissati na Presidência e o deputado Eduardo Paes na Secretaria-Geral - o encontro permite ao menos uma inferência evidente: esta informalmente sacramentada a aliança PSDB-PFL, numa reedição da aliança que elegeu o ex Presidente Fernando Henrique Cardoso em 1994. Resta agora divisar as estratégias iniciais e grupos de suporte a cada um dos 3 potenciais pré-candidatos tucanos: Geraldo Alckmin, José Serra e Aécio Neves.

A pré-candidatura do Governador de Minas já é dada como remota. Aécio tem a oportunidade de mais 4 anos à frente do Executivo estadual, e numa eventual reeleição de Lula em 2006, seria o candidato mais que natural do partido em 2010.

O cálculo é simples: Aécio prefere evitar o embate direto com Lula – mesmo tendo desgastado seus 56% dos votos totais, o presidente ainda é detentor de um nível histórico de 35% das intenções de voto do eleitorado brasileiro, tomadas os resultados de primeiro turno das 4 últimas eleições presidenciais – e aguardar o embate contra um PT – dono de um butim histórico de votos bem menor, na faixa dos 10%. – que certamente estará envolvido numa luta interna sangrenta para escolha de um candidato pós-Lula que consiga unir os diversos movimentos internos do partido.

Adicione-se a este cenário um desgaste ainda maior do presidente no eventual exercício de um segundo mandato, e não seria de espantar se em torno do governador mineiro – ligado à tradição política do velho PMDB de Tancredo, Ulysses e Severo Gomes, e portanto de perfil mais palatável à esquerda democrática dentro e fora do PSDB – fosse articulada a “concertacíon” brasileira de centro-esquerda, unindo PSDB, PT e parcelas relevantes do PMDB.

Entretanto, ao que parece, o embate ao longo dos próximos 4 meses ficará mesmo restrito às alternativas do ninho paulista: José Serra e Geraldo Alckmin.

É preciso reconhecer que ambas pré-candidaturas têm, cada qual, debilidades e fortalezas distintas.

José Serra é um político conhecido e experimentado, com sucessos políticos e administrativos inegáveis quando de sua passagem pela esfera federal durante o Governo FHC. Todavia, o prefeito de São Paulo está no meio de um mandato obtido recentemente, tem perfil político percebido como centralizador e um tanto desagregador, que se manifesta tanto dentro quanto fora do partido. No PFL, aliado natural e necessário do PSDB para pleito de 2006, o episódio que ceifou o crescimento da candidatura de Roseana Sarney - cuja iniciativa lhe foi atribuída - nunca foi bem digerido pelas bases liberais.

Sem dúvida, Serra é um dos quadros mais tecnicamente qualificado do PSDB, e é um dos melhores combatentes políticos com que os tucanos podem contar. Entretanto, teve a sua chance em 2002. Empreitar uma revanche não é impossível, mas é improvável. Em um partido onde o conjunto de postulantes a cadeira presidencial é especialmente amplo, a fila deve andar. Sua aposta é que a perspectiva de poder gerada por sua continuada presença à frente dos demais pré-candidatos tucanos nas pesquisas de opinião, seu apetite para o embate interno e operação política nas trincheiras dos partido e um certo sentido boxer disposto a um terceiro round contra Lula acabe por galvanizar os apoios necessários em torno de seu nome.

Alckmin sofre de debilidades particulares, porém menos graves, porque tratáveis: tem baixo grau de exposição nacional e um perfil bem menos polemista; menos afeito às lides partidárias mais contundes. Dizem alguns, falta-lhe uma certa dose de carisma para empolgar os eleitores mais humildes sempre em busca de uma certa dose de messianismo e redenção.

Noves fora debilidades evidentes de um e outro, mais tardar em março, o PSDB terá de decidir – sempre por último e sempre por designação de seu conselho cardinalício – qual caminho deverá seguir.

Seja ele qual for, Geraldo Alckmin é, sem sombra de dúvida, o melhor nome para trilhá-lo.

As razões que justificam a escolha não são evidentes, mantendo-se escondidas das vistas do senso comum. São de 3 tipos distintos: Geraldo é o homem certo (tem perfil pessoal mais atrativo para a atual conjuntura política), no lugar certo (tem o posicionamento político-ideológico mais adequado ao espectro eleitoral em gestação), na hora certa (tem o maior potencial eleitoral entre todos os pré-candidatos do PSDB).

Geraldo é o homem certo. É médico; o que faz dele – como se diz de todo médico – imbuído de uma espécie de sacerdócio que lhe empresta mais entusiasmo no trato com pessoas que com números. Casado e chefe de uma família uninuclear de organização tradicional, viu o pai abandonar os confortos materiais e converter-se em franciscano, fato que – segundo seus colaboradores mais próximos – determina uma forte inclinação para o trabalho diuturno, por vezes em demasia. Católico – apresentou-se recentemente em cadeia nacional como um homem “temente a Deus”, Geraldo foi ligado aos movimentos tradicionais da Igreja, o que possivelmente legou-lhe um perfil conservador em temas relacionados à família e à vida, como aborto, drogas, eutanásia e pena de morte. Homem do interior, quem já teve a oportunidade de avistá-lo ou e conversar por alguns instantes divisa facilmente no atual Governador do São Paulo o prefeito de Pindamonhangaba que um dia foi.

Antes de uma fraqueza, reside aí mesmo, em sua pretensa caipirice, sua maior fortaleza eleitoral: Geraldo pode estabelecer uma conexão autêntica – uma vez que partilha as mesmas referências interioranas que povoam as nostalgias de infância de homens e mulheres adultos, casados, de nível educacional universitário ou médio, integrantes da classe média urbana, residentes nos municípios médios do interior e nas grandes cidades brasileiras. Exatamente o perfil médio - em matéria etária, sócio-econômica e psico-social - do formador de opinião brasileiro.

Se ao invés de evitada, esta pretensa debilidade for competentemente explicitada com o uso de ferramentas de comunicação política, a serenidade, a introspecção e a sobriedade deste médico católico do interior - que legaram-lhe o divertido apelido de “picolé de chuchu” – podem tornar-se um conjunto de fortalezas pessoais fundamental no processo de construção de imagem do candidato tucano, de maneira que o exercício natural de sua porção Geraldo possa conectá-lo com este eleitorado característico, assim como sua porção Alckmin o faz de modo desenvolto com a Avenida Paulista.

Isto pode ser de grande valia quando a conjuntura política apresenta-se tão afeita à emergência de uma liderança do tipo não-carismática e racional, marcada pela contenção verbal, pela postura reflexiva e pela capacidade propositiva e gerencial.



Para os que vêem uma certa dose de psicologia de botequim neste tipo de abordagem nada empírica, cabe passar a análise política e argumentar que Alckmin está no lugar certo.

Alckmin apresenta-se como herdeiro de uma tradição política fundada com o democrata cristão e ex-Governador de São Paulo, André Franco Montoro – figura sempre presente em seus discursos e conversas com os colaboradores mais diretos – e avançada através de Mário Covas e de Fernando Henrique Cardoso. Dentre estes, Alckmin é o que mais se aproxima na expressão interpessoal, na prática política e na definição de suas prioridades de governo do legado de Franco Montoro.

Dentro do PSDB, Geraldo é o candidato preferido dos segmentos “mais ao centro” e “mais à direita” do partido, o que lhe aproxima de uma tradição democrata cristã mais européia continental que latino-americana, cuja estratégia de manutenção do poder político tem sido a coalizão eleitoral e governamental – vale a analogia – com os liberais. A simpatia da cúpula do pefelista por seu nome não deriva exclusivamente da rejeição a José Serra, mas em dois compartilhamentos evidentes: uma visão social-liberal do papel do Estado na economia e uma experiência concreta de gestão no Governo do Estado de São Paulo.

Deste locus no espectro político partidário brasileiro, Geraldo pode apresentar-se como um candidato de oposição menos igual a Lula que o candidato José Serra, ainda que este seja sempre um desafio a vencer se persistir a estratégia de centralização do discurso petista. Suspeito que uma alternativa de centro – ou de direita, como preferem os detratores – que transmita segurança aos mercados e uma espécie de esperança sóbria, desprovida do entusiasmo saltitante e despropositado que marcou o processo eleitoral de 2002 e os anos de Governo Lula, pode ser a síntese necessária à antítese corrente.

Ainda que o homem e seu lugar mostrem-se pouco convincentes, é preciso render-se à evidência empírica: uma análise cuidadosa das últimas 3 pesquisas eleitorais divulgadas pelo Instituto DataFolha e pelo IBOPE mostra que o Governador de São Paulo é quem tem maior potencial eleitoral dentre os pré-candidatos tucanos. Sem dúvida, Alckmin está na hora certa.

Um olhar treinado nos meandros dos surveys e pesquisas de campo se debruçará para além dos resultados de intenção de voto oferecidos pela pesquisa-base (baseline), procurando desvelar o verdadeiro padrão – ou melhor, a natureza – das preferências expressas pelo eleitorado representativo consultado. Diga-se de imediato que a análise a seguir é consistente para todas as pesquisas mencionadas, em todos os cenários apresentados ao eleitor, em todo o período coberto pelas pesquisas.

Em até 6 meses antes da eleição, a manifestação acerca da intenção de voto tende a revelar muito mais a identificação do nome do candidato (recall) do que uma intenção concreta de voto. Consultado com grande antecipação, o eleitor padrão toma conhecimento das alternativas no ato da pesquisa e tende manifestar sua preferência por: a) nomes que identifica como candidatos (em geral, aqueles que disputaram o pleito anterior, na consulta espontânea) e b) pelo candidato “que melhor conhece”, dado um conjunto de candidatos identificados, na consulta estimulada. Não é de estranhar que o prefeito José Serra apareça à frente de todos os demais candidatos tucanos e apresente-se como o único capaz de vencer o presidente Lula, em segundo turno.

O fato é que se insistirmos em fixar agora o olhar nos números de intenção de voto, enredar-nos-emos em miopia eleitoral. Isto porque se é certo que a definição coletiva do voto dá-se através de um processo de contaminação, é também certo que o processo individual não abre mão de 4 etapas: identificação, rejeição, intenção e profundização. A esta distância do pleito, a técnica de análise correta consiste em esmiuçar a natureza da rejeição, para definir qual candidato tem maior potencial de crescimento.

Para os pré-candidatos tucanos, todas as pesquisas apresentam a seguinte regularidade de ordem decrescente de rejeição: Fernando Henrique Cardoso, José Serra, Geraldo Alckmin e Aécio Neves. Uma análise apressada recomendaria a imediata candidatura do Governador de Minas, mas o mundo das pesquisas de opinião tem mais a oferecer.

De saída, é preciso ter em conta que não rejeitamos aquilo que não conhecemos. Esta obviedade explica porque intenção e rejeição eleitoral aparecem positivamente correlacionadas no tempo para um mesmo candidato, ao longo de uma corrida eleitoral. Por esta razão, uma recomendação clássica dos estrategistas políticos para candidatos que “saem de trás” na intenção é apresentar-se ao eleitorado o mais rápida e amplamente possível para que lhe seja revelada sua rejeição. É também comum, ao fim do processo eleitoral, a presença de um candidato que “não decolou” (baixa intenção manifestada em baixa votação) associada a uma baixa rejeição relativa.

Portanto, seria de se esperar que o desempenho dos pré-candidatos tucanos em matéria de intenção fosse idêntico no que diz respeito à rejeição. E é o que se depreende das pesquisas mencionadas onde se verifica a regularidade acima.

O que realmente importa, então ? O que faz a diferença é a natureza da rejeição revelada, qual sejam, as razões que justificam a rejeição. Os motivos que lhe dão profundidade.

O grau de profundidade das rejeições aos pré-candidatos tucanos é bastante distinto. Grosso modo, 75% dos que afirmam jamais votar em FHC apresentam razões calcadas em seus oito anos de governo, ou em sua imagem pessoal, ambas de caráter permanente (qual seja, de tendência monotônica com passar do tempo). Os demais 25% apóiam-se em razões transitórias (qual sejam, motivos diversos que apresentam potencial de moderação ou reversão).

Ainda que menores em valores absolutos na comparação com FHC, os números de profundidade da rejeição do prefeito José Serra são quase os mesmos: 2/3 de razões permanentes e 1/3 de razões transitórias. Com um agravante e um atenuante, respectivamente: a) no conjunto das razões permanentes destacam-se àquelas relacionadas à sua imagem e b) as razões fundadas no desempenho a frente da prefeitura estão mais presentes no conjunto transitório, que no conjunto permanente – evidenciando que a pequena desaprovação relativa ao seu desempenho à frente da prefeitura paulista é recente e, portanto, ainda não consolidou-se.

O mesmo padrão aplica-se a pré-candidatura do governador mineiro Aécio Neves, ainda que seus números absolutos de rejeição sejam significativamente menores que os de FHC e os de José Serra, e sejam pouco menores que os do Governador de São Paulo.

O que surpreende positivamente é que os números de Geraldo Alckmin têm padrão inverso: 65% de sua rejeição não estão calcados em razões permanentes ou transitórias, mas em razão alguma: sua rejeição não tem profundidade.

Isto significa que Geraldo Alckmin é aquele que tem maior potencial de crescimento e teto mais elevado para intenção potencial dentre os pré-candidatos do PSDB. Tão mais curta e tão mais povoada de nomes já testados nas urnas seja a corrida eleitoral vindoura, este potencial ver-se-ia aumentado.

Estas considerações revelam uma conclusão evidente: o PSDB deve escolher Geraldo Alckmin como seu candidato à Presidência, e fazê-lo o tão mais cedo quanto à “concertação” PSDB-PFL torne possível.

Não cabe negar a força centrífuga que o fetiche dos maiores números de intenção absoluta e a perspectiva concreta de poder gerada em torno de seu detentor comumente produzem em direção a candidatura que saí à frente, ainda na fase das prévias, mesmo antes da corrida começar. Mas os livros de fábulas que partilhamos na infância reservam um lugar de honra para histórias sobre lebres e tartarugas, cigarras e formigas. Podem crer: neles, há muito tempo, aprendemos lições que podem ser úteis por toda vida.

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