Sobre ontem à noite
12 apreciações indignadas de um cético incorrgível sobre as esperanças, o caos e o futuro que teima em não chegar.
Sei não... Já fui jovem. Já fui às ruas
pedir eleições, fechar supermercados, derrubar presidentes, pedir paz, colocar
gente na cadeia. 1984, 1987, 1992, 1998 e 2004, entre as que me lembro de
memória. Os que me conhecem de perto sabem que as camisetas rabiscadas com
pilot colorido dos tempos de juventude têm lugar de destaque nas paredes do
corredor lá de casa.
Ocorre que - com o passar dos anos e
com a distância do país - tornei-me, antes de tudo, um cético incorrgível. Sem
abandonar o amor do filho pela Pátria mãe gentil, apreendi a duvidar deste
gigante que vez por outra desperta de seu berço esplêndido, titubeia, olha o
despertador, dá uma viradinha e escolhe não sair da cama. Triste, eu
sei...
Aproveitemos, porém a noite prenhe de despertares, surpresas e espasmos - que espero, sigam democráticos. Mandemos às favas as
análises imparciais, o ceticismo erudito e a moderação blasé dos intelectuais
de biblioteca.
Ás favas - todos juntos e de uma só
vez - com o meu lado cauteloso, de palavras medidas, de frases bem escritas, de
parágrafos concatenados. Abramos alas, pois, às verdades circunstanciadas,
protestos desfocados, idéias estapafúrdias e acusações inconseqüentes.
Mergulhemos de ponta, de barriga - ou mesmo de ladinho - no torvelinho de demandas e sentidos que
emana das avenidas deste nosso Brasilzão e tratemos de ver o que este cético incorrigível acha que
apreendeu - ou desaprendeu; afinal ninguém sabe mais nada ao certo - na noite
de ontem:
[01] Não se engane: assim como a UNE,
o MPL é um movimento 100% chapa-branca. Recebeu dinheiro do Governo Federal, da
Petrobrás e tem em suas fileiras candangas jovens universitários lotados na
Presidência da República. Aí reside o motivo da cara de paisagem do doutor
Gilberto Carvalho. O que o Ministro não entende é como é que desta fogueirinha
saiu todo este “incêndio amigo”.
[02] É certo que os brutos da PM de
São Paulo prestaram-se alegremente ao papel de estopim. Mas também é certo que
a ilustrada imprensa paulista tratou de acender-lhes o pavio. “Jovens
predispostos à violência”, “ideologia pseudo-revolucionária”, “retomar a
Paulista” – isto só para ficar entre os vocábulos publicáveis publicados em
editoriais da Folha e do Estadão. Quando estilhaços e olhos-roxos
alcançaram as redações, o jornalismo beligerante foi para o vinagre e a
narrativa mudou-se daqui para alhures, ao sabor do vento que bufava o gás
pimenta. A julgar pelos olhares incrédulos de jornalistas e comentaristas
especializados enquanto o Congresso Nacional era invadido pela turba de
descamisados, a ingrata não deixou o endereço novo.
[03] Lembrei que indignar-se é coisa
fácil: o livreto de Stéphane Hessel vendeu mais de 100 mil cópias desde o 15M nas ruas de Madrid
(a despeito do meu péssimo francês, eu mesmo comprei um). Comprometer-se é que
não parece ser lá "esta Coca-Cola toda" (nota : o segundo livreto do
doutor Hessel, intitulado “Compromete-os!”, nem chegou aos 3 mil). A verdade é que esta coisa chamada real politik – a tal arte de construir compromissos com o
possível por meio de num balé de dois passos à frente e um para trás – cansa, dá muito
trabalho e não parece ser coisa de gente do bem. Gostemos ou não, querido amigo
da Candelária, o sistema existe e somos parte dele: a parte que fica por fora.
Para reformá-lo é preciso meter-se por dentro, pedindo voto prá quem presta,
cercando o seu deputado na rua, ou mesmo botando essa sua cara pintada dentro
daquela caixinha branca com um botão verde de "confirme". Fotos de
passeata colorem o timeline do Facebook, ajudam a lembrar o nome daquela
gatinha de lenço amarelo é só. [Nota: darão trabalho adicional à turma de arapongas do
Obama, mas isto é uma estória para outros carnavais...]
[04] Como costuma ser por estas
bandas, vi também disposição demais e responsabilidade de menos. Estudantes do
MPL brincando com uma caixa de Pandora que reconhecem não poder controlar.
Coronéis comandando balas de borracha cuja direção não podem controlar.
Manifestantes pacíficos mobilizando manifestantes alienígenas “com quem não
temos nada que ver”. Não é surpresa que – de súbito, no vazio do “não é
comigo" – punks, anarquistas e outros exotismos violentos instalaram-se no
controle e sintaram-se livres para estropiar – de modo parcial, mas eloquente – aquele momento feliz.
[05] Vandalismo é comportamento; não
condição. Na quarta, a Paulista estava cheia destes arruaceiros de ocasião.
Ontem à noite, acovardaram-se em meio ao mar de camisas brancas – com previu,
em 1976, Elisabeth Noelle-Neumann no excelente “The Spiral of Silence”.
[06] Apreendi de novo - porque gosto
de Sex Pistols - que punk que é punk não usa branco, nem ouve pancadão – a
trilha sonora que animava a dança ao redor da fogueira e os gritos de guerra ao
redor do Paço. O que se viu no Rio foi senão mais um capítulo de nossa mais
conhecida tradição cultural, cantada por Fernanda Abreu: a malemolência do malandro-agulha carioca (que há muito já
abandonou a roda de samba em favor do proibidão) alimentando a luta permanente entre a beleza (que se viu na Cinelândia) e o caos (nos arredores da ALERJ).
[07] Conto-lhes que tomei um curso rápido sobre
pobreza urbana para a classe média tradicional, ministrado pelo Datafolha: (a)
pobre que é pobre não quebra ônibus porque precisa voltar prá casa, (b) pobre
que é pobre não se mete em conflito com PM porque a bala que bem conhece não é
a de borracha, (c) pobre que é pobre vai a protesto vender mate e refri porque
Dona Esperança não enche barriga, nem paga o aluguel do barraco e (d)
pobre-pobre – aquele de maré, maré, maré – não se dá ao luxo de sentimentos de
insatisfação ou mal-estar difuso: isto é coisa de intelectual. Não, senhores, a
Bastilha não é aqui - ainda que a coisa soe próxima à “Brasília” para um fanho.
O problema é que fazer esta coisa chegar lá nos fundões do Brasil para
desarticular o clientelismo que mantém este Governo de pé não é tão simples
assim.
[08] Não é preciso ler Manuel Castels
para saber que as redes mobilizam, ressonam e contagiam – mas não promovem
consensos, nem assignam responsabilidades. Triste dizer, mas trata-se de uma
verdade histórica: sem liderança de carne, osso e alguma dose de aquilo roxo, o
“bonito de ver” não vai a lugar algum. E o “feio de ver” tampouco vai ver o sol
nascer quadrado. Para passar da rua à mesa, é preciso achar quem tenha peito de
segurar a batata quente.
[09] Os personagens de sempre - e como
sempre - vão contemporizar, saudar a juventude e a celebrar a vitalidade da já
não tão jovem democracia brasileira. Convidarão um MPL mais ambicioso para uma
vaga de deputado, reduzirão uma tarifa aqui, subirão um imposto ali e carruagem
seguirá o rumo ao quartel de Abrantes. Triste de novo, eu sei. Nada por nada,
ao menos esta turma vai olhar para os dois lados antes de atravessar a rua.
[10] Aprendi o que já sabia: Lula é um
oportunista. Dilma não sabe o que dizer – novidade que não é de hoje. Haddad porta-se
como uma barata tonta que quer ficar – ao custo de R$ 6 bi – bem na foto.
Sergio Cabral permanece em Paris e Eduardo Paes fez de conta que tudo se
passava no Piauí.
[11] Gosto dele e tenho muitos amigos
por lá, mas FHC se não gosta que alunos da USP sejam chamados de “arruaceiros”
quando depredam o patrimônio público: reitoria, estação de trem, agencia de
banco – tanto faz. Como na França, estão fazendo a revolução cultural
tupiniquim. Choque da PM só para desalojar “sem-terras” que invadem sítios em
Ibiúna. Coisa de gente diferenciada.
[12] Geraldo
Alckmin errou, mas não teve compromisso com o erro. Conversou, corrigiu-se,
comprometeu-se. Nem apostou no “quanto pior melhor” (coisa do PSTU), nem saiu
por aí dizendo que é tudo culpa do PT. Coisa de gente séria. Gosto dele ainda mais.
Por fim, duas confissões
Confesso que - ao considerar uma crise
mais profunda no sistema - me bate o receio da chegada triunfal de uma
salvador providencial. Não, amigos, não sou um convertido. Refiro-me a um
“outsider” vigoroso que surja montado em seu cavalo branco figurado distribuindo benesses da Viúva; livrando-nos pela via da “vontade política” dos incômodos que
nos impõe a aritmética e lutando em favor do povo “contra isto tudo que está
aí”...
Confesso também que sigo na esperança
– a primeira que falseia, mas a última que morre, esta danada !!! – de um dia
descobrir-me um cético idiota ao notar que não passa muito das seis da manhã e o gigante que eu creía preguiçoso já preparou o café, leu os jornais e está de saída para deixar seus filhos na escola.
Na dúvida, vou deixando a camisa
branca passada sobre o sofá da sala e o título de eleitor dentro da
carteira. Afinal, 2014 já tá virando a esquina e suspeito que será na silêncio da cabine de votação que tudo isto encontrará sentido.
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